O ano de 2021, após dois anos do início da pandemia, foi ainda um ano de sorrisos tapados por máscaras, de álcool gel abundante e de contactos distanciados a que a COVID nos obrigou. Mas não foi um ano parco de afetos, nem de energia para continuar na senda das nossas causas.
Ao longo do ano contámos com a ação e compromisso de 345 voluntários/as, que levaram um total de 7014 refeições quentes e nutritivas, confecionadas e cedidas por 70 Restaurantes Solidários e pelos próprios voluntários, quando tal foi necessário. Assim, todos os sábados do ano, os 83 beneficiários dos VELHOS AMIGOS tiveram refeições quentes e afeto e alguns minutos de conversa.
Foi ampliada a área de intervenção dos “Velhos Amigos” para um novo território: Batalha. Neste Município imerso em História e solidariedade, conhecemos 2 “Velhos Amigos” e 8 voluntários determinados a fazer a diferença.
A Inovação Tecnológica, a nova roupagem no Projeto Velhos Amigos , num cofinanciamento do programa POISE, numa iniciativa Portugal Inovação Social, continuou a aproximar os idosos da tecnologia, por via da atribuição de um dispositivo de georreferenciação e de uma plataforma de treino cognitivo e socialização. O financiamento permitiu a aquisição dos equipamentos, a contratualização de um serviço de teleassistência e de internet que se destinam a 90 idosos/as com vivência em isolamento social e vulnerabilidade económica.
No Projeto Escolas Solidárias, manteve-se a parceria da ATLAS com os dois Agrupamentos de Escolas da Marinha Grande e foram entregues, ao longo do ano de 2021, 202 cabazes, compostos por artigos alimentares e bens de higiene.
O ano de 2021 foi intensamente marcado pelas intervenções nas condições habitacionais dos idosos apoiados pela ATLAS, com o Projeto Amigos em Casa, um Prémio da Candidatura VINCI, que pretende fazer a recuperação de espaçoshabitacionais degradados ou inacabados de idosos que vivem em situação de Isolamento Social e Carência Económica, através da mobilização da sociedade civil, entidades privadas e públicas.
A nível organizacional, com o apoio da Fidelidade Comunidade, consolidámos o investimento iniciado em 2019, na comunicação interna e externa a ATLAS, com grafismos e logótipos, um website renovado, o envio de uma Newsletter mensal para os voluntários e trimestral para os parceiros, bem como uma loja online. Foi ainda elaborado o Plano Estratégico da ATLAS 2021-2024 , o Manual de Funções e o Modelo de Avaliação de Impacto..
Em 2021 foram produzidos e partilhados 43 artigos, graças a variados contributos, nomeadamente os abaixo designados, a quem a ATLAS agradece:
Ana Rita Vieira
Carolina Antunes
Catarina Fortunato
Celina Gameiro
Cidália Carvalheiro
Cláudia Marinho
Deolinda Ferreira
Elisabeth Guerra
Fernanda Castela
Helena de Jesus
Helena Vasconcelos
Hélia Amado
Irene Primitivo
Isabel Guimarães
Joana Caetano
Maria Fernanda Alegre
Maria João Santos
Nicole Bohórquez
Rui Bingre
Rui Lopes
Sílvia Marquês
Sofia Carruço
Encerrámos 2021 com alguns desafios na gestão de Recursos Humanos da Atlas, mas com uma enorme expetativa no ano de 2022 para prosseguir com as nossas causas.
Este é um espaço de partilha entre voluntários e voluntárias da ATLAS. Aqui descobrimos o que andam a ler, quais as suas reflexões e sentimentos. Estão todos e todas convidadas a deixar comentários ao artigo no fim desta página!
A longa caminhada, Slavomir Rawicz
Estalou uma guerra aqui há dias. Uma guerra mesmo. A Rússia invadiu a vizinha Ucrânia. Esta é a nossa nova realidade, quer queiramos quer não. É claro que não queremos porque os que sofrem as consequências das guerras são os que nada têm que ver com elas: jovens, idosos, mulheres, crianças… Espero que se escreva pouco sobre esta guerra. Seria um bom sinal.
Já a história da Longa Caminhada passa-se noutra guerra: Numa Grande Guerra: a da Segunda Guerra Mundial. Centra-se na divisão da Polónia entre a Alemanha e a então URSS e a captura de um oficial polaco pelo exército vermelho em 1939. Após a sua captura terá de passar por várias sessões de tortura, às quais resistiu, apesar de ser sempre persuadido pelo exército russo a fazer-se de culpado, assinando todos os papéis que lhe eram apresentados. Recusou sempre apesar das sessões de tortura, mas a certa altura apresentaram-lhe um papel assinado que o culpabilizou e que o condenou a 25 anos de trabalhos forçados. Slavomir Rawicz achou que sempre seria melhor do que uma cela.
A primeira viagem fez-se de comboio, pela linha transiberiana em condições infelizmente já muito retratadas em filmes como A Vida é Bela ou A Lista de Schindler. Os prisioneiros passageiros iam completamente colados entre si, quase sem poder respirar. Não tinham como aliviar-se, a não ser ali mesmo. Gritavam por água e muitos desmaiavam.
Depois do comboio seguiu-se o camião que rasgava por entre a neve.
Nos campos, os guardas aguardavam qualquer possibilidade de fuga para atirar a matar, mas foi isso mesmo que Rawicz e um grupo de seis tratou de organizar. Conseguiram fugir um ano após a sua captura, levando consigo pouco mais do que a sua roupa e a certeza de que não estariam em segurança enquanto estivessem em território russo. Rumaram à Índia britânica, mas tiveram de enfrentar as regiões inóspitas do Tibete e da Mongólia.
A caminhada foi feita em condições adversas. Foi longa e árdua e só a esperança e também o desespero os acompanhavam. Na Mongólia enfrentaram uma praga de gafanhotos. No Tibete montanhoso e gelado perderam um dos companheiros, o lituano.
Só cinco chegaram à Índia. Viajar para eles era uma verdadeira obsessão. Caminhar só podia ter fim quando encontrassem segurança. Na índia, foram restituídos aos seus respetivos países de origem.
Esta é uma história de coragem e de determinação assim como de trabalho de equipa que serve de testemunho de um dos períodos mais marcantes da história.
Autor Celina da Costa Gameiro
Voluntária ATLAS, no projeto Velhos Amigos em Pombal
Todos nós temos um nome. Um nome próprio. Um nome de família. Por vezes, uma alcunha, ou um nome ternurento trocado na intimidade. Também acontece haver nomes com estatuto: o senhor comendador, o senhor reitor, o senhor capitão ou o senhor conservador. Este último representa a grande teia urdida em volta de várias ligações que se estabelecem na Conservatória do Registo Civil. E é lá que se assentam todos os nomes: os dos vivos e os dos mortos. Nesta história havia um senhor José, mas não era o conservador. Era apenas um auxiliar de escrita, mas uma vez cometeu a proeza de se sentar no lugar do conservador, na sua cadeira, mas à noite, no escuro. O senhor José como auxiliar era aquele que apontava todos os nomes e o senhor conservador, sentado na sua cadeira, era aquele que não fazia nada e, por isso, era uma pessoa muito só. O senhor José, um dia, lembrou-se que haveria de descobrir todas as informações relacionadas com as pessoas famosas cujas vidas gostava de colecionar e iniciou um passatempo. Era um passatempo noturno. Durante o dia continuava auxiliar de escrita, mas durante a noite, pegava na chave velha, abria a porta que rangia e transformava-se num perspicaz investigador capaz de folhear, de abrir todo o tipo de gavetas proibidas, de sacudir a poeira a livros pouco arejados, descobrindo assim onde estão o registo dos vivos e os dos mortos. Para ele, a maior gulodice era poder penetrar na Conservatória e esventrar os livros porque o “que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca e é preciso andar muito para alcançar o que está perto.”
Mas nesta busca havia o medo. Por vezes o terror. E se fosse descoberto? E se o apanhassem com os livros nas mãos? Tinha medo da noite e do silêncio, mas ainda mais de qualquer ruído. Qualquer ruído podia fazê-lo saltar de uma cadeira. Também tinha vergonha e pesadelos, mas curiosamente sorria após os seus pesadelos.
Havia o caso de uma senhora que parecia ter ganho vida pelas palavras que 36 anos antes lhe tinham atribuído: “um nome, o nome dos pais, o nome do padrinho, a data e a hora do seu nascimento, a rua, o nº e o andar onde viu a primeira luz e sentiu a primeira dor, um princípio como toda a gente.”
E é assim que muita gente ganha vida, com as palavras dos outros, porque nós próprios demoramos muito a aprender e a conhecer as nossas próprias palavras.
Autor Celina da Costa Gameiro
Voluntária ATLAS, no projeto Velhos Amigos em Pombal
No Projeto Velhos Amigos, todos os sábados, acontece um momento mágico no qual se espalha Alegria e Amor. Quando acontece cada encontro, há saudações alegres que ecoam, olhos que se cruzam, refeições que se doam e um tempo que se entrega de forma desinteressada ao outro. No meio das rotinas diárias, das regras sanitárias que nos afastam já há tantos meses, o investimento Humano, a grande riqueza destes tempos é Escutar! Esta é a grande arma de combate contra a solidão e a indiferença.
Este é o sentimento que vivenciamos pela Vila da Batalha, vamos e o mais importante, é Escutar. O testemunho de quem faz a magia, os nossos Voluntários nos Velhos Amigos na Batalha:
“Sempre gostei de ajudar, quando recebi o convite para fazer parte do grupo de voluntários da Atlas fiquei muito agradecida. São 2 horas de companhia, partilha de experiências de vida, e ainda uma refeição quentinha para aconchegar os nossos amigos.
E, eu sou uma sortuda por fazer parte deste grupo solidário Atlas.”
Alexandrina Henriques
“Uma experiência fantástica, sempre foi algo que quis fazer, estou muito feliz por a Atlas me ter dado está oportunidade, com os nossos velhinhos tenho aprendido muito… adoro fazer isto…. adoro ajudar… estou de coração cheio… sinto muito orgulho no que faço! OBRIGADA ATLAS!”
Catarina Teixeira
“Ajudar os outros… Ir com o Coração Cheio. No fim ficas com o Coração a transbordar….”
João Toscano
“Seja qual for o caminho que tu escolhas para a tua vida, tens de arranjar sempre tempo de devolver, seja á tua comunidade, seja á tua freguesia ou até ao teu país!” Ajudar outras pessoas dá-me uma grande satisfação, muito mais satisfação que outra coisa supérflua eu possa fazer ou adquirir… Muito obrigado por me receberem na Atlas!”
Rolando de Jesus
“Mas para mim a vida só faz sentido assim, saber que a minha presença pode fazer a diferença na vida destas pessoas. Levar um sorriso e trazer um coração cheio…”
Susana Guerra
Autor Elizabeth Guerra
Voluntária ATLAS. Coordenadora do Projeto Velhos Amigos na Batalha
“Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitámos tão pouco.” Mia Couto
Eis-me aqui, na curva descendente da vida. Passos trôpegos, olho pela janela. O sol estende o seu manto alaranjado, até se esconder para lá do horizonte.
Deixo-me levar até onde a minha memória alcança. Eu pequenina, o mundo eram as ruas da minha aldeia. As estações do ano sucediam-se. Noites de verão em que se contavam estrelas, ouviam-se grilos, andava de bicicleta com a minha irmã, brincava no pátio da escola com as amigas e amigos e chapinhava nas poças da chuva. Lembro-me de procurar os braços da minha mãe nas noites de trovoada. Lembro-me da água gelada no tanque da roupa. Lembro-me, com saudade, da minha família, das pessoas que a vida trouxe e levou. Meu porto seguro. Cartas longas que se escreviam e raras chamadas telefónicas. Um passado cheio de gente, de afetos, dores e saudades.
Cheguei aqui. Pelo caminho houve de tudo. Vitórias, derrotas, aprendizagens. A voragem dos dias a apoderar-se de mim, de quem me rodeava. Planos de vida que se iam sucessivamente adiando. Um amanhã sempre a escapar-se entre os dedos. A família que me resta, telefona-me espaçadamente. Tempo, a eterna desculpa. Os amigos de uma vida foram ficando lá atrás. Os que ainda por cá andam, reféns dos seus passos, aparecem cada vez menos. Deixo de conhecer os meus vizinhos. Eles também não sabem quem eu sou. Talvez nem saibam que eu existo. A porta de minha casa já raramente se abre. A campainha está muda, já não anuncia a chegada de ninguém.
Os meus dias sucedem-se iguais. Tenho os meus gatos e os meus livros. Mas os meus olhos cansam-se rapidamente. Ligo a televisão e ali fico estática, esquecida, perdida no vazio. Recentemente algo começou a mudar. A esperança e a alegria começam a abrir caminho na minha vida. Há pessoas boas, empenhadas em dar algo de si, em derrotar a solidão de quem está só. De quem se sente só. A Dora procura saber como me sinto. Senta-se junto a mim e conversa. Conta como vai o mundo, fala de coisas do dia-a-dia. Fico feliz quando ela abre um livro e lê para mim. Fecho os olhos, deixo-me transportar. Sinto o calor do sol a bater na minha janela, os gatos enroscados aos meus pés e, nestes momentos, tudo me faz sentido. Gratidão
Autor Élia Vala
Mãe e avó. Assistente comercial numa instituição financeira. Gosta de pessoas, livros e natureza. Angustia-se com o sofrimento humano, em particular de crianças e idosos. Conhece o admirável trabalho da Atlas pela mão da sua amiga Dora Rodrigues.
No Projeto Velhos Amigos, todos os sábados, acontece um momento mágico no qual se espalha Alegria e Amor. Quando acontece cada encontro, há saudações alegres que ecoam, olhos que se cruzam, refeições que se doam e um tempo que se entrega de forma desinteressada ao outro. No meio das rotinas diárias, das regras sanitárias que nos afastam já há tantos meses, o investimento Humano, a grande riqueza destes tempos é Escutar! Esta é a grande arma de combate contra a solidão e a indiferença.
Este é o sentimento que vivenciamos pela Vila da Batalha, vamos e o mais importante, é Escutar. O testemunho de quem faz a magia, os nossos Voluntários nos Velhos Amigos na Batalha:
“Sempre gostei de ajudar, quando recebi o convite para fazer parte do grupo de voluntários da Atlas fiquei muito agradecida. São 2 horas de companhia, partilha de experiências de vida, e ainda uma refeição quentinha para aconchegar os nossos amigos.
E, eu sou uma sortuda por fazer parte deste grupo solidário Atlas.”
Alexandrina Henriques
“Uma experiência fantástica, sempre foi algo que quis fazer, estou muito feliz por a Atlas me ter dado está oportunidade, com os nossos velhinhos tenho aprendido muito… adoro fazer isto…. adoro ajudar… estou de coração cheio… sinto muito orgulho no que faço! OBRIGADA ATLAS!”
Catarina Teixeira
“Ajudar os outros… Ir com o Coração Cheio. No fim ficas com o Coração a transbordar….”
João Toscano
“Seja qual for o caminho que tu escolhas para a tua vida, tens de arranjar sempre tempo de devolver, seja á tua comunidade, seja á tua freguesia ou até ao teu país!” Ajudar outras pessoas dá-me uma grande satisfação, muito mais satisfação que outra coisa supérflua eu possa fazer ou adquirir… Muito obrigado por me receberem na Atlas!”
Rolando de Jesus
“Mas para mim a vida só faz sentido assim, saber que a minha presença pode fazer a diferença na vida destas pessoas. Levar um sorriso e trazer um coração cheio…”
Susana Guerra
Autor Elizabeth Guerra
Voluntária ATLAS. Coordenadora do Projeto Velhos Amigos na Batalha
Aos primeiros minutos do mês e do novo ano ocorre-me sempre a frase: Mais 365 oportunidades para ser feliz! Lá por ser uma “frase feita” não é desprovida de sentido, para mim. O que acontece é que utilizar cada dia do novo ano para experimentar ser feliz dá trabalho!
Sim, sim, é trabalhoso, é um trabalho “interno” esse de não me deixar ir no frenesim de cada dia, esse de criar algo positivo, estimulante, ainda que esteja a percorrer o mesmo caminho para o trabalho ou a fazer as tarefas rotineiras. Mas… caramba! Se é para a minha felicidade, arregaço as mangas para esse “trabalho”!
E começo logo por tentar perceber do que ando à procura, ou seja, como se concretiza a felicidade para mim? Em cada dia não é algo magnânimo que eu espero que aconteça, é algo mais realista, é sentir alegria, satisfação, bem-estar. E, sendo assim, o meu trabalho é lembrar-me de fazer algo que acrescente alegria ao meu dia e isso pode mesmo estar em detalhes, quando têm significado positivo, para mim. Então, aprecio a energia do sol a subir no céu, enquanto conduzo, logo de manhã; ou reparo nas formas que as nuvens fazem; canto a música que passa no rádio e rio com as piadas do locutor (sem pudor do automobilista que vai à minha frente) e se o trânsito estiver mais lento, até tenho oportunidade de ouvir mais música (claro, não vou estragar aqui o fluxo desta boa energia com o stresse de chegar atrasada, saio de casa com um pouquinho de margem no tempo)…
É apenas o início do dia, mas este estado de espírito vai abrir caminho para o que vem a seguir correr melhor, vai até fazer de “escudo” para o humor carrancudo de algum colega. Quando escolho comportamentos de bem-estar (fazer algo que me dá boas sensações), isso manifesta-se no meu corpo (sinto tranquilidade, por exemplo, os batimentos do coração serão estáveis) e esse bem-estar também alcança a minha forma de lidar com as situações, pensando acerca delas de forma mais construtiva (mais focada no que posso fazer para resolver certa questão, em vez de apenas reclamar ou achar impossível algo ser feito).
A felicidade, num grande momento ou nos pequenos prazeres de cada dia, pode mesmo ajudar esta engrenagem a funcionar!
A energia dos equipamentos tecnológicos é elétrica e a energia de cada pessoa vem desta “bateria” de momentos bons, coisas alegres, afetos positivos, experiências agradáveis. Esta “bateria” vai dar-nos força para lidar com as situações de vida menos boas, elas existem e precisamos estar “recarregados” quando surgirem.
Autor Sofia Carruço
Psicóloga e Voluntária na Atlas – People Like Us, em Leiria
Este é o resumo de um trabalho que preparei para um grupo de jovens. Quando mo pediram achei descabido falar de envelhecimento a jovens, mas pensando melhor não é tão descabido como possa parecer. A velhice começa a preparar-se muito cedo.
Eu própria a fui preparando, sem me aperceber. Mas agora, olhando para trás, vejo que se não tivesse assentado a minha vida em três valores que considero essenciais não teria hoje nada de positivo para transmitir aos mais novos.
E quais são esses valores?
1 – Ter objectivos e lutar por eles
2 – Não virar as costas às dificuldades
3 – Responder aos desafios.
Permitam-me que refira alguns exemplos:
1 — Estudamos porque queremos tirar um curso onde nos sintamos realizados e que nos dê uma certa estabilidade financeira e emocional.
2 — Casar e ter filhos. Não é nada fácil conciliar a vida profissional com a vida familiar. (Cheguei a ter cinco homens à minha responsabilidade numa altura em que os homens não colaboravam nas tarefas domésticas).
3 — Quando me aposentei não parei. Comecei por colaborar em movimentos da Igreja. Além de outras actividades fui catequista. Do grupo de Catequese nasceu um grupo de Jovens que me proporcionaram momentos incríveis (encontros com outros grupos, viagens, convívios) Aqui os mais novos ficam a saber como podem ajudar os mais velhos a envelhecer de uma forma bem agradável.
Fiz parte de um grupo sócio caritativo onde me senti totalmente realizada (contribuir para que alguém possa ser um pouco mais feliz) Paralela e individualmente estava atenta e ajudava quem precisava da minha ajuda.
Participei na Política. Aí não era bem a «a minha praia», mas, por insistência de terceiros, fiz parte dos Órgãos Políticos de um partido e fui candidata a uma Junta de Freguesia.
Mais tarde matriculei-me numa Universidade Sénior e, com mais de 70 anos, iniciei-me nas novas tecnologias. Convivi, fiz novos Amigos, obrigava-me a sair de casa. Ainda me mantenho na hidroginástica. Faz bem ao corpo e à mente. Concluo partilhando com os leitores a convicção de que para envelhecer de uma forma mais agradável não podemos parar nem ter uma vida facilitada. Antes, pelo contrário, vamo-nos treinando para vencermos as dificuldades que a vida nos vai apresentando e enfrentarmos todos os desafios.
Autor Maria Fernanda Alegre
Nasceu em 6 de julho de 1933, no concelho de Condeixa-a-Nova. Fez o curso no magistério primário. É viúva, tem 3 filhos e 2 netos. Depois de se reformar, tem-se dedicado ao voluntariado.
Em São Tomé e Príncipe as crianças não choram. Não podem chorar. As mães precisam de realizar todas as tarefas diárias e não há tempo para embalar ou esperar que uma simples cólica infantil, ou até mesmo uma birra, passem. Desde o nascimento, as crianças são transportadas às costas pelas mães, mulheres lutadoras que executam todas as tarefas na companhia dos filhos. Seja na rua a vender peixe, a vender carregamentos de telemóvel, no rio a lavar a roupa, em casa a confecionar os alimentos ou até na escola, a guerreira mulher santomense faz-se acompanhar do filho bebé atado a si por um pano resistente e colorido que, miraculosamente, o mantém em segurança. E a criança não chora. Dorme no aconchego do calor corporal materno, mantém-se em paz no embalo dos passos da mãe.
Num país onde as condições de vida ficam aquém do que a Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza, as crianças não choram. E a infância em São Tomé e Príncipe não é a infância que hoje valorizamos e respeitamos. Não há jogos nem brinquedos. Em seu lugar, os saltos na praia, a corrida a equilibrar um pneu com um pau ou a brincadeira com um carrinho feito com madeira, latas ou garrafas de plástico ocupam o tempo das crianças. Mas elas não choram. Aceitam. Vão vivendo. E esperando. Talvez esperem que, um dia, os seus direitos venham a ser os mesmos dos meninos da Europa ou da América. Talvez esperem que o seu futuro possa vir a ser risonho apesar de o seu país não ter emprego para todos. Talvez esperem só por esperar. E vão vivendo. Felizes.
Final do ano é naturalmente momento de balanço, olhar para o que correu bem, compreender o que correu menos bem, alicerçar o que virá.
Ao refletir sobre o Projeto “Velhos Amigos” em Alcobaça, numa perspetiva muito pessoal, compreendo que como coordenadora nem sempre tive a disponibilidade necessária para chegar mais longe, nem sempre soube de imediato o que fazer em cada situação, nem sempre fiz o que tinha planeado. Foi um ano bastante desafiante, talvez por ser nova nestas andanças, talvez por sentir ainda alguma insegurança ou simplesmente porque os laços estabelecidos entre pessoas são exigentes e sensíveis numa mesma medida.
Eu não cheguei a todo o lado, nem queria chegar, porque só em equipa se chega mais longe. Nenhuma situação ficou por resolver, estivemos presentes em cada fim de semana, agilizamos as consultas necessárias, levamos aos beneficiários o que tinham em falta e isso, só foi possível, porque temos os melhores voluntários que poderíamos desejar.
E porque são os voluntários que tornam possível este trabalho, também o balanço foi partilhado por todos, aqui ficam alguns testemunhos:
“Para mim esta experiência tem sido muito enriquecedora, pois acho que eu ganho mais do que de alguma forma dou. Sempre achei que ouvir os mais velhos a partilharem as suas experiências de vida é educativo pois leva-nos a refletir sobre a nossa própria vida e muitas vezes a minimizar o que achamos ser deveras importante ou trágico na nossa própria vida.
Estamos sempre a aprender e isso no fundo é que conta, pois no dia em que acharmos que já não temos mais nada para vivenciar e aprender será o último dia da nossa existência.
Obrigada Atlas por existires e nos ensinar o que realmente importa!”
Fernanda
“O projeto Velhos Amigos fez-me perceber que podemos fazer diferença na vida de outras pessoas com gestos tão simples como partilhar um pouco do nosso tempo na sua companhia.
Quando nos apercebemos que no dia da nossa visita nos esperam ansiosos, sinto que não é em vão que o fazemos. É uma oportunidade de mudar a vida de outras pessoas incluindo a nossa.”
Rosa
“Fazer parte do Projecto ” Velhos Amigos” tem sido uma experiência muito enriquecedora a nível pessoal. As idosas D. Lídia e D. Cecília, são umas queridas cada uma ao seu jeito, muito meigas e carentes de atenção e mimo. Estou a gostar muito deste Projecto, deviam existir mais pessoas a fazer o Bem sem olhar a quem!!”
Susana
“A sociedade em geral fecha os olhos a situações de infelicidade que muitas vezes estão na porta ao lado. A Atlas, com os seus projectos, contribui para reduzir essa indiferença, e é com muita alegria que faço parte dessa contribuição. A minha experiência no projecto “Velhos Amigos” é muito recente, mas já sinto que as pessoas que apoiamos estão mais felizes. Obviamente que não conseguimos fazer tudo o que gostaríamos, as dificuldades e os problemas porque algumas pessoas já passaram ou vivem actualmente, são demasiado complexos para que sejamos nós a conseguir resolvê-los todos.
Mas de uma coisa eu tenho a certeza, falo por mim mas sei que o sentimento é comum; a ajuda que dou ao ouvir ou acarinhar alguém que vive sozinho, é muito mais, muito mais mesmo, do que o pequeno esforço que eu despendo. E isso, também faz a diferença na minha vida.
Obrigado por isso”
Lino
“Quando assumi o compromisso de ser voluntária da Atlas não tinha uma ideia concreta do que significaria, talvez fosse falhar porque não tinha tempo, talvez não conseguisse lidar com as situações no terreno, talvez não tivesse a capacidade emocional de gerir os acontecimentos…
Tudo o que acontece a cada visita aos beneficiários, que são a razão maior deste projeto, supera em muito o que alguma vez possa ter pensado atingir. A nossa presença leva, sem qualquer dúvida, alegria e a alegria é uma grande responsabilidade.
Cada visita ultrapassa-nos, é sempre uma demonstração poderosa de como a solidariedade posta em prática pode construir um mundo melhor para todos. Não estamos neste projeto para nos servir a nós, mas para servir os outros, para lhes melhorar a vida, a disposição, o estado de espírito.
Estamos a exercer cidadania, solidariedade, estamos a aprender, estamos a crescer, estamos a ajudar, mas estamos acima de tudo a viver uma experiência sem igual e a cada visita voltamos de coração cheio, porque vamos dar, mas trazemos muito mais de volta.
O tempo que dedico a esta causa parece sempre pouco, e achava eu que “não tinha tempo”.
Obrigada à Atlas e à Sílvia por fazer parte deste projeto.
Obrigada ao Sr. Rafael e à D. Prazeres por nos permitirem esta experiência transformadora!”
Tânia
“A Sílvia há muito me falava, com entusiasmo, da sua experiência no projecto Velhos Amigos, mas eu embora, seja da minha essência o ajudar o próximo, nunca me revi num projecto ligado à terceira idade!
Mas quando ela me desafiou não consegui dizer que não. E sinceramente estou agradavelmente surpreendida, o tanto que eles nos enchem o coração, é tão gratificante ver como um pequeno gesto nosso pode ser tão importante para a vida deles.
Uma grande aprendizagem, dar sem julgar.
Muito obrigada!”
Helen
“No dia-a-dia por vezes sem termos tempo para pensar, damos tudo como adquirido, a nossa saúde, o nosso emprego, comida na mesa, vida social, hobbies, amigos, etc.. Ao sermos voluntários ATLAS conseguimos perceber e aprender, ao ouvirmos relatos de beneficiários, que somos uns sortudos por termos tudo isso e que o nosso conceito de felicidade é muito diferente do deles. Mas ao dedicarmos apenas duas horas ao sábado e vermos a diferença que isso faz à vida dos idosos, conseguimos verdadeiramente perceber o que é SER(MOS) FELIZ(ES)!!
Samuel
“Começar por dizer que desinstalarmo-nos do nosso dia a dia pode ser difícil mas certamente que faz a diferença no nosso pequeno mundo… torna-nos melhores… e então faz despontar em nós algo que nunca pensamos… que é a humanidade!
A humanidade é isto… é sentir que podemos ser “algo” ser “motor” ser “vida “para alguém!! E é tão bom dar vida .. ainda por cima nas pequenas coisas.
Neste projeto vivenciamos que somos mais que pessoas que distribuem refeições… somos casa e somos acolhimento na vida de alguém… somos aqueles que escutam e saímos do nosso “fim de semana” com aquela sensação de tranquilidade e missão cumprida!!
É bom ver que vamos crescendo enquanto projeto e que conseguimos mudar sinceramente o mundo daqueles a quem ajudamos… e acima de tudo sentimos que somos super acompanhados pelas Atlas.
Um bom natal e bom ano a todos os que saem de si para dar aos outros!”
Rafaela e Pedro
Estas são algumas das contribuições para o balanço do Projeto “Velhos Amigos”, feitas na primeira pessoa por quem dá de si a cada fim de semana, com coragem, com afeto, com a energia necessária para se superar a si e acrescentar vida à vida dos nossos beneficiários. Obrigada aos voluntários incríveis que se juntam à Atlas e que, em equipa, constroem redes de suporte e fazem acreditar de novo quem já só pensava em desistir.
Para o novo ano só desejo que consigamos continuar a levar sorrisos a cada casa, ultrapassando as dificuldades que surjam e que as redes construídas se tornem cada vez mais fortes, para que a essência da Atlas continue a mudar as vidas de todos os intervenientes. 2022 já pode chegar 🙂
* ”balanço”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/balan%C3%A7o [consultado em 27-12-2021].
Autor Sílvia Marquês
Voluntária ATLAS. Coordenadora do Projeto Velhos Amigos em Alcobaça.
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