Como todos sabem, o arraial da Atlas trata-se de um dia de convívio entre aqueles que, tal como os voluntários da associação, nutrem amor e compaixão pelo próximo.
O Jardim do Visconde, sendo um espaço aberto, toda a comunidade é bem-vinda. Cada pessoa que por lá passa, não vem embora sem provar uma bela sardinha ou uma boa paelha. Também ouvi dizer que a sandes de pernil tava um espetáculo. E a barraquinha dos doces. Que maravilha!
Os nossos amigos dos cavaquinhos presentearam-nos com a sua atuação.
Para além da boa gastronomia, que por lá se encontra disponível para degustar, existiram atividades para miúdos e graúdos, tal como pinturas faciais.
Tivémos a presença de uma taróloga no local.
Depois de jantar, pudémos apreciar o som da dj Inês. Muito alegre e bem-disposta. Toda a gente dançou e cantou.
O balanço deste arraial é, mais uma vez, muito positivo. Estiveram presentes voluntários das várias delegações, e ainda, alguns beneficiários que adoraram este momento de convívio.
É bom e gratificante a entreajuda e entrega que se sente entre os voluntários nesta grande festa. Essa partilha de ideias e convívio é o que permite fortalecer o espírito desta bonita equipa.
Eu, enquanto fotógrafa do arraial, adorei a experiência. Foi diferente e enriquecedora, convivi com as pessoas de uma forma divertida, convidando-as a tirar uma fotografia com a nossa moldura oficial do arraial. E as pessoas brincaram, riram-se e adoraram.
Nasci numa pequena Vila da Beira Alta, Sátão, no Distrito de Viseu. Rodeada de serra, de rio e, principalmente, de pessoas, fui aprendendo a observá-las e a conhecê-las, pelas entranhas. No ensino secundário, segui pelo que fazia ressonância em mim, as Letras e Humanidades. Foi então em Coimbra que me permiti também desconstruir e construir de outras formas, com as ferramentas que já levava de outrora. Licenciei-me em Ciências Psicológicas na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e foi também aí que tirei o Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde Psicopatologia e Psicoterapias Dinâmicas. Participei em várias formações de Terapia de Grupo, Psicodrama, Teatro, Formação Intensiva de “Contratransferência na Clínica Psicanalítica”, orientada pela Sociedade Portuguesa de Psicanálise. Estagiei no Centro de Respostas Integradas de Coimbra, onde juntamente com equipas compostas por psicólogos, psiquiatras, técnicos de serviço social, enfermeiros, assistentes operacionais, profissionais dos serviços administrativos e seguranças, pudemos dar respostas perante problemas de dependências, tanto pelo acompanhamento do sujeito dependente como também à sua família, amigos, rede profissional, trabalhando de forma cooperativa, cuidada e multidisciplinar que permitiu contribuir beneficamente para o alívio mental, físico e social de variadíssimas pessoas. Para além das questões académicas e profissionais, tive sempre um papel ativo no movimento associativo, na vida coletiva da cidade e das aldeias ao redor, integrando vários grupos e movimentos, projetos políticos com vontade de construção de um mundo novo, mais justo e solidário. Artisticamente, escrevo porque sonho e porque é real; Participei em workshops de construção de instrumentos, workshops de teatro (ligados à Psicologia), Oficinas de Cante Alentejano, Oficinas de Harmonização, Oficinas de Percussão. Fui membro da Desconcertura (Tuna Mista da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra), assim como do InterDito (Grupo de Expressão Dramática da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra). Sou membro da Comissão Promotora do Centro Artístico, Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira e do GEFAC (Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra). É neste grupo que me ligo cada vez mais às raízes do nosso país, das nossas pessoas, das nossas tradições e da nossa cultura popular, pilar de comportamentos, emoções e formas de estar e existir. Faço parte de vários grupos de música: Colmeia; Cordas ao Vento; La Colheita; entre outros. É nesta partilha de conhecimentos, do olhar sobre as coisas e pessoas não enquanto seres estáticos, mas enquanto seres e objetos em transformação, que me movo. Diria que me apaixono constantemente pelas pessoas, pelas dores, pelas angústias, pelas alegrias, pela crueza e, principalmente, pelas possibilidades.
Autora:
Inês Bártolo
Psicóloga Clínica, Licenciatura em Ciências Psicológicas e Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde Psicopatologia e Psicoterapias Dinâmicas, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Estagiou na área das dependências no Centro de Respostas Integradas de Coimbra; Membro do GEFAC (Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra) e membro da Comissão Promotora do Centro Artístico, Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira.
Ao longo do meu processo de estágio foram várias as situações que me marcaram a nível profissional e pessoal na Associação ATLAS-People Like Us, desta forma fica o meu agradecimento a todas as pessoas que fazem parte da ATLAS-People Like Us em especial a todos os beneficiários que me acolheram de uma forma indescritível.
Foi no contacto com estes beneficiários que percebi a importância de uma simples conversa, por vezes andamos tão atarefados que não nos apercebemos das necessidades de quem nos rodeia, não referindo apenas as necessidades básicas, mas acima de tudo a necessidade de uma conversa para combater a solidão, assim fazer parte da ATLAS faz com que sinta que o meu dever de responsabilidade social esteja a ser cumprido.
A ATLAS tem um papel fundamental na vida destes beneficiários. Se não fosse esta associação o que seria destas pessoas? Será que tinham alguém ou estavam completamente sós em suas casas à espera que o relógio da vida de cada um acabe? Espero que esta reflexão faça com que olhem para o mundo do voluntariado de forma diferente e da importância do mesmo, tal como me aconteceu ao longo desta experiência enriquecedora como estagiária desta associação.
Autora:
Mariana Jorge
Natural da Lourinhã, finalista do TeSP – Intervenção Social e Comunitária do IPL, estagiária na Atlas (estágio curricular).
Na azáfama das cidades já pouco se faz notar, mas, como todas as tradições, este dia de celebração da Espiga tem muito significado!
Era uma festa pagã, em jeito de agradecimento pelas primeiras colheitas do ano. A Igreja Católica acolheu esta festividade e associou-a à celebração religiosa da Ascensão (subida de Jesus Cristo ao céu), definindo que o dia da Espiga seria quarenta dias após a Páscoa.
Quando a vida se pautava pelos dias longos, de trabalho, no campo, era neste dia (feriado) que as famílias, pela manhã, colhiam as flores para compor o raminho. Assim:
a papoila, simbolizando o amor e a vida
a espiga (de um cereal) simbolizando o pão
o malmequer, como símbolo do ouro e da prata (a fortuna)
a flor de oliveira simbolizando a paz (a pomba da paz traz um raminho de oliveira no bico)
a flor de videira como símbolo de alegria (o vinho que bebemos em momentos de alegria)
o alecrim, planta resistente, simbolizando a saúde
A tradição manda pôr o raminho, pendurado, atrás da porta de casa, onde permanece até ao ano seguinte, para garantir que se cumprem os bons desejos que ele simboliza!
É uma tradição que nos liga à Terra, ao trabalho da agricultura, à fertilidade da Primavera!
Neste texto vou fazer uma reflexão acerca da experiência boa que tem sido para mim fazer voluntariado na Atlas, e mais propriamente como tem sido participar no projeto “Velhos são os Trapos”.
Considero-a uma experiência muito positiva e enriquecedora, por vários motivos. Desde logo, saliento a importância que é poder partilhar algum do meu tempo livre com os nossos Velhos Amigos, que marcam presença assídua na sede da Marinha Grande, às quintas e sábados. De referir também que é notória a gratidão e alegria estampada em cada um dos seus bonitos sorrisos. E ali, vamos partilhando histórias de vida (felizes ou menos felizes), gostos musicais, dois dedos de conversa, curiosidades, e despertamos uns nos outros a curiosidade e o interesse em criar mais uma peça artística, neste caso, mais uma argola.
O Sr. Américo, que adora o Sporting, tem sempre preferência por pegar na lã verde para fazer as suas argolas. A Sra. Conceição, sempre muito animada, gosta de fazer argolas com múltiplas cores, então vai juntando duas a três cores nas suas peças. Todos, sem exceção, mostram-se interessados em desempenhar bem a tarefa. De repente, há uma senhora que se distrai, e ficam as lãs enroladas. Então, é mais um momento de risada, mas depois lá se resolve o “problema”.
Não será de todo clichê dizer que só quem está presente nestas tardes consegue, de facto, sentir a harmonia e ambiente agradável que se vive. Eu tento explicar por palavras minhas, mas como já alguém dizia: “uma imagem vale mais que mil palavras”. E vale mesmo!
Vamos criando argolas e o entusiasmo vai aguçando a curiosidade em estar presente mais uma vez, mais um momento, mais uma tarde.
Os testemunhos que os nossos amigos nos deixam são de facto a nossa maior recompensa. Damos amor, e recebemos mais amor ainda. Alguns dizem que somos a companhia deles, pois, se não estivessem ali connosco, estariam provavelmente sozinhos em casa, sem saber bem o que fazer para se entreterem.
Sorriso puxa sorriso. E ali ficamos, a rir e a conviver. Rir faz mesmo bem à saúde.
E eu dou por mim a pensar que a única coisa positiva que eles (os Velhos Amigos), possam ter no seu dia, seja mesmo aquele sorriso, aquela palavra amiga, aquele momento, aquela partilha. E isso só pode ser um motivo de alegria e orgulho para todos nós, enquanto voluntários, e enquanto pessoas transformadoras na sociedade em que vivemos!
Acho oportuno também, este meu texto, para refletir sobre as nossas ações, perante o convívio com pessoas mais velhas (os idosos), sejam comunidade, amigos ou nossos familiares.
De facto, sempre foi algo que tive em mente, valorizar tudo o que uma pessoa idosa tem para nos ensinar e aconselhar. Mas, com a perda da minha avó, há cerca de três meses, refleti mais sobre o quanto importa não só sabermos valorizar os ensinamentos e os momentos. De um modo geral, saber aproveitar tudo ao máximo. Agradeço tudo o que a minha avó me ensinou ao longo da vida bonita que ela sempre fez questão de viver. Ela é, sem dúvida, a minha grande inspiração. Quem é neto/a ou avô/ó, sabe do que falo. Os momentos bons que partilhamos entre avós e netos, mesmo quando o neto deixa a casa da avó do avesso, ela perdoa! Mesmo quando o avô repreende o neto por algo que ele sabe que não fez bem, mesmo assim insiste em fazer. O avô repreende, mas perdoa. O avô perdoa sempre. E ama sempre!
Façam valer a pena cada segundo com eles. E agradeçam todos os ensinamentos e aprendizagens. Tenho a certeza que são muitos, e algumas ficam para a vida!
E eu tenho sempre presente na memória que eu também vou ser “velhinha”, e vou querer ser mimada e amada como amei os meus avós. Se tiverem oportunidade, guardem um pouco do vosso tempo livre, sentem-se junto do avô, da avó, de alguma pessoa idosa com quem tenham sentido vontade de trocar umas palavras, e conversem. Ou podem escutar. É gratificante e recompensador.
O idadismo existe à escala mundial: uma em cada duas pessoas é idadista contra as pessoas idosas,. O Idadismo traz consequências graves para a saúde e o bem-estar, piorando a qualidade de vida das pessoas idosas e aumentando o seu isolamento social e solidão.
Para combater o Idadismo e os seus impactos na saúde e bem-estar existem estratégias eficazes, entre as quais Intervenções de contacto intergeracional e intervenções educacionais.
Neste contexto, surgiu na ATLAS a ideia de um NOVO PROJETO chamado RADICES (raízes em latim), um acrónimo criado a partir das palavras-chave: Reabilitar tRADIções & Idadismo CombatEr, assente em duas metodologias distintas, ambas promotoras da criação de raízes entre jovens e idosos: os ateliers e as campanhas de sensibilização contra o Idadismo.
Este novo projeto da Atlas – RADICES – iniciou-se em março, em Leiria, graças a um financiamento do Programa Cidadãos Ativ@s, gerido pela Gulbenkian e pela Fundação Bissaya Barreto.
RADICES consiste em ateliers de cocriação e campanhas de sensibilização contra o idadismo.
Os ateliers de cocriação de peças contemporâneas, elaboradas com técnicas ancestrais, foram desenvolvidos na Escola D. Dinis, com alunos do Clube das Artes e com idosos em situação de solidão e isolamento social, sob orientação da Professora Isabel Lourenço. E já foi criada uma peça que irá ser replicada em Leiria, Marinha Grande e Pombal.
As campanhas de sensibilização contra o Idadismo também já se iniciaram e assentam em ações de educação não formal entre pares, em que foi feita a capacitação e sensibilização dos jovens embaixadores (alunos do Instituto Politécnico de Leiria), os quais, por sua vez, posteriormente, desenvolveram ações de sensibilização junto dos pares (peer learning) (alunos da Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo). Todos os jovens (embaixadores e destinatários das campanhas) terão assim oportunidade de “reconsiderarem e atualizarem, conscientemente, as suas crenças, seus sentimentos e seus comportamentos”, um verdadeiro contributo para a diminuição do Idadismo. (in: Relatório Mundial sobre o Idadismo, OPAS/OMS, 2022).
Este Projeto irá decorrer durante todo o ano de 2023 com mais ateliers com idosos e voluntários nas sedes da ATLAS, e com mais Campanhas de sensibilização contra o Idadismo.
Fica atento. Também tu, voluntário(a) da ATLAS, poderás participar no RADICES.
Ao invés da guerra… Diria que ao invés da guerra a paz, da destruição a edificação, da agitação a tranquilidade, da inércia o esforço e a boa vontade. Muitos de nós nascemos, crescemos e vivemos jungidos a um país, uma cidade, um meio, um bairro, um contexto, desconhecendo realidades que, por vezes, ocorrem em nosso derredor! Alguns de nós passam pela vida sem que possam deixar um rastro de luz, uma obra de bem, uma gota de carinho no coração de alguém, ficando, ao fim, uma sensação de um vazio frio! Poucos de nós conseguem, de fato, a vivência e a demonstração plena da caridade, virtude repleta de renúncia e abnegação.
Nesse entretanto, diria que o voluntariado (nesta ou naquela instituição) é apenas o esforço inicial da pessoa de boa vontade na construção de um mundo melhor, é a tentativa incipiente do ser humano para a instauração dos verdadeiros valores. Para isso é necessário um pouco mais de sensibilidade e o despertar para aquilo que verdadeiramente necessitamos. Nunca antes o mundo precisou tanto de mãos que aqueçam ao invés de arrefecerem, que construam ao invés de destruírem, que auxiliem ao invés de oporem obstáculos, que trabalhem ao invés de ficarem inertes, que levem um gesto de amor a casa daqueles que, por vezes, a única coisa que têm é a solidão. Isto porque, como outrora alguém escreveu, “mesmo que distribuísse todos os meus bens para o sustento dos pobres, se não tiver amor, nada disso me traria benefício algum”. Façamos a nossa parte, embora silenciosa, sabendo que todas as migalhinhas, somadas, farão a diferença para aqueles que delas necessitam, e que sempre nos retribuem com a sua gratidão.
Num mundo, cada vez mais individualista, educar jovens que se importem com outras pessoas é um desafio. Nas relações interpessoais, a Escola tem vindo a ter mais consciência sobre a importância de aprender a compreender o lugar do outro – agir com mais empatia, promovendo, assim, uma cultura de colaboração. O Clube de Voluntariado tem como objetivos gerais, reforçar o envolvimento dos alunos na vida da Escola; valorizar o trabalho, a responsabilidade e a sua participação; contribuir para a transmissão de princípios e valores de humanidade; desenvolver os valores da tolerância e da solidariedade; reforçar o envolvimento de toda a comunidade escolar. Entre as diversas atividades que podem ser desenvolvidas na Escola, destacam-se campanhas como a recolha de tampinhas que ajudam várias pessoas e instituições; “Campanha do Banco Alimentar” (Dinamizar a relação
entre a escola e a comunidade envolvente); Campanha “Um alimento por um sorriso” recolha de alimentos para cabazes de Natal (Cultivar a qualidade de vida e o bem-estar de todos os que trabalham na escola); Intervenção na reabilitação de espaços escolares, nomeadamente pintura e decoração de salas. (Cultivar a qualidade de vida e o bem-estar de todos os que trabalham na escola); Projeto “Escolas Solidárias” ATLAS (Dinamizar a relação entre a escola e a comunidade envolvente); Apoio à sala multideficiência com atividades lúdicas e pedagógicas (Promover o sucesso escolar, assumindo a escola como lugar de saber); Projeto Laços Seniores, desenvolvido em Lares da 3ª idade, com sessões de cinema, música e dança (Dinamizar a relação entre a escola e a comunidade envolvente) e muitas outras atividades que vão surgindo ao longo do ano letivo. A alegria dos jovens participantes e a amizade construída, quando realizam estas atividades, são a prova que permite acreditar que é possível ensinar a viver com espírito de solidariedade e participação. Ano após ano, o Clube de Voluntariado da Escola, onde fui professora e voluntária, conseguiu envolver, sempre, novos alunos, professores, funcionários e encarregados de educação.
O conceito de idadismo refere-se a “estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminações (como agimos), direcionados a outros ou a si mesmo, com base na idade”, podendo manifestar- se a nível institucional, interpessoal, ou, inclusivamente, ser autodirigido. No contexto dos adultos com idade mais avançada, o conceito mostra-se como “multifacetado”, tendo influência em três dimensões distintas – cognitiva, afetiva e comportamental. Desvendado o significado, torna-se fácil concluir o significativo impacto do idadismo entre os idosos, contribuindo para uma pior saúde física e mental, aumento da solidão, maio insegurança financeira, diminuição da qualidade de vida e, até, a morte prematura. Tais consequências tornam-se ainda mais relevantes, se tivermos em conta que o envelhecimento populacional se tornou uma realidade mundial inevitável, sobretudo nos países desenvolvidos. Neste contexto, torna-se urgente uma mudança de paradigma socioeconómico, no sentido de as pessoas idosas serem tratadas com o respeito e dignidade
que lhes é devido, reconhecendo a sua sabedoria e experiência. Tal mudança será possível com a prevenção do fenómeno discriminatório do idadismo, criando e aplicando regras jurídicas protetoras deste grupo de risco, adequadas à sua especial condição e vulnerabilidade física, emocional e social. Foi neste sentido que diferentes organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho e a Organização Mundial de Saúde, criaram convenções, resoluções e medidas, com o objetivo de encorajar os governos do mundo inteiro a incorporarem, nos seus programas nacionais, cinco princípios gerais para a proteção dos mais velhos. Estes princípios – princípio da independência, plena participação, direito de assistência, direito de autorrealização e dignidade – pretendem demonstrar que as pessoas idosas são cidadãs com plena capacidade para reger a sua pessoa e os seus bens, de forma livre e autónoma. O ponto de partida na discussão do envelhecimento numa perspetiva jurídica passará sempre pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU, em 1948, a qual estatui a universalidade da liberdade e igualdade em direitos e dignidade para todos os seres humanos. Apesar de não referir, especificamente, a “idade” no elenco de eventuais motivos de discriminação proibidos, reconhece-se, hoje, que a “idade” deve considerar-se contida nesse elenco. No entanto, a verdade é que, no sistema internacional de direitos humanos, não existe um instrumento jurídico geral para dissipar preconceitos contra os mais velhos. No contexto jurídico específico da União Europeia, da qual Portugal é estado- membro, dada a inexistência de convenção internacional propriamente dita sobre os direitos das pessoas idosas em geral, o direito a não ser discriminado com base na idade tem sido cada vez mais inserido nas Constituições nacionais, nas últimas décadas.
Dada a existência de lacunas no que à legislação internacional sobre os direitos dos idosos diz respeito, tanto os Estados individuais foram obrigados a inserir tal proteção nas suas próprias Constituições, como a União Europeia tem adotado alguma legislação e estimulado alguns desenvolvimentos no que a esta temática diz respeito. Vejamos alguns exemplos.es Quanto à discriminação no emprego, a União Europeia adotou a Diretiva de Igualdade no Emprego, que inclui uma cláusula de não discriminação em função da idade. Contudo, esta diretiva, ao visar o mercado de trabalho, torna- se essencialmente relevante para os indivíduos que se aproximam dos seus anos pós-emprego ou com idades pouco superiores a 50 anos. Ainda assim, no essencial, a diretiva proíbe a discriminação direta em razão da idade que não seja justificada por um objetivo legítimo e que seja atingida desproporcionadamente em relação ao objetivo, e nesse contexto, representará sempre um avanço.
Tal estipulação deu o mote para a estatuição de um verdadeiro princípio da proibição da discriminação com base na idade dentro das fronteiras da União Europeia, o qual representa, em si, um exemplo de legislação anti-idade. Neste contexto, torna-se necessário abordar a questão da reforma obrigatória. Coloca-se a questão se saber como é possível que o que parece ser discriminação por idade no emprego possa ser uma tomada de decisão legítima e proporcional necessária, isto é, se a imposição de uma idade obrigatória para reforma choca ou não com a proibição anti-idade referida acima. A esta questão, o Tribunal de Justiça da União Europeia foi respondendo, ao longo dos anos, negativamente, uma vez que a estipulação de uma idade específica para reforma obrigatória procura, primeiramente, evitar a rescisão de contratos de trabalho em situações humilhantes para os trabalhadores devido à sua idade avançada, acrescentando, ainda, que o limite de idade deverá refletir o consenso político, social e demográfico daquele país. Numa outra linha de pensamento, através de várias sentenças do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que envolvem pessoas idosas, no sentido de estudar as questões jurídicas substanciais mais levantados, foi possível identificar algumas questões que mais têm motivado o recurso aos tribunais judiciais pelos idosos. O principal problema identificado está associado a um elevado número de casos em que se discute o tempo razoável para obter justiça e reparação judicialmente, ou, por outras palavras, problemas de duração excessiva de processos judiciais em que os idosos se vêm envolvidos, não sendo tomada qualquer diligência especial por força da sua idade. O quadro descritivo geral aqui apresentado torna evidente a necessidade de maior investigação e debate sobre que mecanismos ou iniciativas específicas deverão ser adotadas, sendo óbvio que o trabalho realizado se encontra muito aquém do que a problemática social exige. Para que exista uma sociedade onde todos possam participar e interagir de forma tolerante, princípios como a dignidade, independência e assistência, referidos inicialmente neste artigo, devem ser conhecidos desde os primeiros anos de vida de qualquer indivíduo.
A responsabilidade no combate ao idadismo deverá ser da sociedade civil como um todo, num esforço conjunto das suas várias instituições.
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