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Quando Eu Morrer Vocês, Amigos Leitores, Serão Parte do Meu Futuro.


Sim, quando eu morrer o leitor ou leitora que me lê e partilha momentos de vida, como o voluntariado no Velhos Amigos, será o meu futuro… e refiro-me ao meu futuro aqui na Terra.

Tenho 67 anos. Há vinte anos, nas raríssimas vezes em que pensava na morte, tinha a certeza que quando chegasse a esta idade e as maleitas começassem a fazer parte do quotidiano, bastaria ir a uma estação de recarregamento de saúde, encostar a mão a um manípulo e em cinco minutos estaria recarregado para mais 67 anos de saúde… quiçá a eternidade!

Há dez anos já sabia que não seria assim. Não haveria recarregamentos até à eternidade, mas, com sorte e empenho de gente sabedora, um prolongamento do tempo de estada na Terra. Mas a vida acabaria. E com essa certeza, vieram a dúvida e as reflexões sobre o sentido da vida. Com a energia, a esperança e a capacidade de sonhar que ainda tinha aos 57 anos, pensei que a morte física seria o menor dos males se comparado com a eternidade cantada por Camões em “…aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando…”. Nesses meus últimos laivos de ingenuidade, pensei que se conseguisse realizar uma “obra valerosa”, quiçá um livro, um dia deixaria fisicamente de existir, mas ficaria um legado que me libertaria da lei da morte.

Hoje, sei que não será assim. Como Camões, roguei inspiração às musas. Acredito que elas terão tentado arduamente inspirar-me, mas, ao contrário de Camões, não tiveram da minha parte a ajuda do engenho e arte. Confesso, aliás, que o meu engenho e arte não se comparará sequer ao de Jau, o mais fiel amigo de Camões, que cuidou do poeta nos últimos e difíceis anos de Camões.

E é assim que hoje, sem manípulos de carregamento de eternidade física, e sem engenho e arte, resta-me ser o Jau da minha vida. Não ficará obra feita, nem um legado que me libertará da lei da morte. Mas ficará a certeza de ter feito o melhor que soube e fui capaz com aqueles que amei e respeitei, família e amigos, pessoas boas que tive, e tenho, a felicidade de conhecer e partilhar a vida na Terra. E com esta certeza fica a esperança de, mesmo depois de ter deixado de existir fisicamente, a recordação que alguém possa ter de mim, traga-lhe um momento de saudade que, por pequena que seja, será o meu futuro depois do tempo que vivi na Terra. Sei que um dia também a família e os amigos deixarão de poder recordar-me. Como será, então, a eternidade em que pensei? Sinceramente, quando a última pessoa que partilhou a vida comigo, ou momentos da vida, abraçou-me e sorriu-me, não puder recordar-me, o que me interessará a eternidade?


Autor
Rui Bingre
Voluntário ATLAS no Projeto Velhos Amigos em Leiria.

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