O morrer e a morte não são um acontecimento individual e, por isso, em tempos de pandemia, o luto pode tornar-se mais penoso e prolongado, com esta Covid a obrigar-nos ao isolamento, ao perigo dos abraços, dos apertos de mão, do toque.
O isolamento pode, pois, dificultar a elaboração do luto. Nestes tempos pandémicos, sem fim à vista, com um fluxo constante de atualizações da informação com características maioritariamente angustiantes, as pessoas podem não conseguir reconhecer a dimensão da sua dor, desvalorizá-la perante as circunstâncias globais e, consequentemente, não responder adequadamente às suas próprias necessidades. E os rituais dos funerais mudaram, e o morrer no hospital ter-se-á tornado ainda mais solitário. E, para os enlutados, um luto que podia ser sadio, vivido no seu tempo, pode tornar-se patológico.
Como se pode ajudar, então, pessoas enlutadas nestes tempos de “Medo Mundial”?
Todo o luto, à semelhança de uma ferida, mais ou menos profunda, necessita de tempo para cicatrizar. A tristeza “só há-de passar entristecendo-se”. E a saudade que assola quem está de luto “é uma dor que só pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada”.
Nestes tempos de pandemia, a presença de amigos e familiares junto de quem está enlutado, é essencial. É imperioso estar presente, pelo telefone ou pela internet, para ouvir quem está em dor de perda de alguém que amou. Para quem está do outro lado, em dor, ouvir dizer “estou aqui”, será uma forma de estar presente, ainda que sem contacto físico. É que do outro lado a partilha de sentimentos, o deixar-se estar a ouvir memórias e saudades do enlutado, pode ajudar a criar novas rotinas e a construir um novo sentido de vida.
A Covid espolia-nos do toque físico, mas não nos pode tirar a humanidade de olharmos o outro que sofre.
Referências
Miguel Esteves Cardoso, in “Último Volume”
Walter Osswald, in “Sobre a Morte e o Morrer”
Bernard_Henri Lévy, in “Este vírus que nos enlouquece”
Isabel Galriça Neto, in:https://www.hospitaldaluz.pt/, consultado em 27-09-2020
Autor: Irene Primitivo
Farmacêutica Hospitalar, secretária da Direcção da ATLAS – People Like Us e voluntária no Projeto Velhos Amigos. Movida pelas causas sociais, é um membro ativo da sociedade que, através do associativismo, contribui para um mundo melhor. Na ATLAS, acreditamos, veio para ficar!
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