Um idoso como protagonista herói.
Ao longo de vários anos, a Walt Disney habituou espetadores e espetadoras a filmes protagonizados por princesas, heróis e animais fabulásticos, nos quais personagens fantásticas e irreais ganham vida e tornam-se referências para miúdos e graúdos. São narrativas consensuais com heróis padronizados capazes de gerar empatia a qualquer um, independentemente do género ou faixa etária. A Disney consolidou a fórmula do sucesso ao longo de décadas até, em 2009, numa coprodução com a Pixar, se propor a romper os cânones estereotipados dos Clássicos anteriores, através da adoção de um protagonista com características bem diferentes das que estávamos habituados a ver. O filme chamar-se-ia Up-Altamente! e, “apresentava, pela primeira vez, um idoso de 78 anos como herói principal” (Marques, 2011, p.13).
Os heróis têm idade? …
As fórmulas norteadoras dos filmes com assinatura Disney e que, durante anos, foram garantia da sua consensualidade, pareciam desaparecer em Up-Altamente!: os investidores, analistas e principais fabricantes de merchandising desacreditaram no eventual sucesso do filme fundamentados numa descrença na personagem principal que tomaria as rédeas do enredo, Carl Frederiksen. Segundo os interesses e prospectivas dos agentes suprarreferidos, conceber uma criança a brincar com um idoso gera estranheza.
… parece que sim.
Facto é que o filme foi muitíssimo bem recebido pela Crítica, não se tornou o flop que muitos previam e, em determinados países, levou ao cinema gerações mais avançadas, quando comparadas com as que habitualmente são espectadoras dos filmes da Disney. Diferente foi, efectivamente, a relação dos consumidores com o merchandising, cujos níveis de venda foram bastante inferiores, quando comparados com personagens de outros filmes.
Estrutura residencial para idosos versus A minha casa
Up-Altamente! é uma narrativa ímpar na trajectória cinematográfica da Disney. O convite, deste construto de animação, é para que conheçamos Carl Frederiksen: um homem que aos 78 anos, confrontado com a viuvez providenciada pela perda da mulher, que toda a vida o acompanhara nos sonhos, se vê na decisão dicotómica de determinar o seu futuro: se, por um lado, é convidado por uma sociedade estereotipada na sua forma de pensar, a separar-se da habitação em que sempre vivera para integrar uma estrutura residencial para idosos é, por outro, instintivamente impulsionado a lutar pela concretização do sonho que lhe estava, desde sempre, afeto. Troca a ida para um Lar pela concretização de um sonho e mostra, aos descrentes nas suas potencialidades, que nunca é tarde para prosseguir com aquilo para que sempre se lutara.
Viver sem sonhos.
O filme, por si só, é um convite a que seja pensada e reflectida a forma como socialmente estamos a interpretar as pessoas de idade avançada. Retirando-lhes o hélio (com que Carl encheu os balões que elevaram a sua casa) que as impede de se autorrealizarem e lhes retira as perspectivas de futuro, fazendo aquilo que querem e gostam, estamos simultaneamente a desperdiçar potencialidades e a sentencia-las a um futuro de infelicidade e passividade, pouco contributivas para a vida social.
Roubar sonhos dá direito prisão?
Atravessamos, socialmente, uma época de contrassensos sempre que desejamos idosos protagonistas de uma vida autónoma e, paralelamente, os desacreditamos das suas potencialidades, confinando as suas vidas a meros trajectos vivenciais aos quais foram roubados objectivos e motivações. No seio das sociedades contemporâneas difundem-se “visões mais restritas do envelhecimento que persistem em evitar pensar nas potencialidades de pessoas como Carl Frederiksen, que aos 78 anos demonstra uma vitalidade capaz de percorrer o mundo” (Marques, 2011, p.14).
Referências
Marques, Sibila. (2011). Discriminação da Terceira Idade. Relógio D’Água Editores: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Direção Geral da Saúde. (2017). Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025: Proposta do Grupo de Trabalho Interministerial (Despacho nº 12427/2016).
Autora: Rita Pratas Figueiredo
Formada Serviço Social, Rita Pratas está atualmente na ATLAS – People Like Us a realizar Estágio Profissional.
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